O futuro do seguro na era dos veículos sem motoristas

A National Highway Traffic Safety Administration (NHTSA) apontou que 94% dos acidentes de trânsito decorrem de falhas humanas. Isso faz pensar que se esse risco variável deixar de existir, o trânsito pode passar a operar em condições mais seguras. O próprio Dara Khosrowshahi, CEO da Uber, projetou que “daqui a 15 ou 20 anos, o veículo autônomo vai dirigir melhor do que qualquer motorista humano”. A afirmação não é retórica: ela se baseia no volume de dados que treina os sistemas, capaz de simular milhões de situações que nenhum condutor individual poderia experimentar. Para o seguro, essa mudança significa abandonar a análise do perfil de risco atrelado à idade, gênero ou histórico do motorista e passar a avaliar a robustez de sensores, a qualidade das atualizações de software e a confiabilidade das redes de comunicação. O sinistro deixa de ser fruto de um ato isolado para se transformar em evento ligado a falhas técnicas ou sistêmicas, criando a necessidade de estabelecer novos termos e categorias nos contratos de seguro.
Mobilidade como serviço de escala
Essa nova abordagem em prol de um trânsito mais seguro não é restrita a análises estatísticas ou previsões de especialistas, ela já orienta decisões estratégicas de empresas de mobilidade, que enxergam nos veículos autônomos a base de seus próximos passos. Prova disso é que a Uber já está operando robotáxis em Atlanta e Austin em parceria com a Waymo. E o passo seguinte foi ainda mais ousado: um investimento de US$ 300 milhões na Lucid Motors, com aquisição de 3% da empresa e o compromisso de incorporar ao menos 20 mil veículos Lucid Gravity à sua plataforma nos próximos anos, em conjunto com a Nuro, especializada em direção autônoma. A previsão é de que a nova frota esteja nas ruas até o fim de 2025. Essa movimentação mostra que a ideia de frota compartilhada, antes discutida em teoria, já tem calendário e escala de investimento. Para o setor de seguros, um dos efeitos possíveis é que o contrato pode não se firmar mais entre seguradora e indivíduo, mas entre seguradora e plataforma, cobrindo milhares de viagens diárias. A precificação se aproxima da lógica de utilities — quanto maior a estabilidade do serviço, menor o risco; quanto mais falhas em rede, maior o passivo. O seguro passando a se integrar ao modelo de negócio de mobilidade, deixando de ser acessório e passando a ser infraestrutura invisível, mas indispensável.
Inclusão que transforma as coberturas
Esse pensamento de acesso coletivo atinge também quem pode se beneficiar da mobilidade. A partir do momento que a exigência da posse individual é dissolvida, abre-se espaço para que grupos antes marginalizados passem a ser contemplados. Com a retirada da exigência de habilitação e o acesso sob demanda, idosos, pessoas com deficiência e jovens sem carteira podem passar a se deslocar de forma independente. No campo securitário, será preciso adaptar planos que contemplem assistência médica durante o trajeto, monitoramento de embarques seguros e integração com serviços de saúde serão tão importantes quanto a indenização tradicional. O seguro poderá ganhar contornos de serviço de proteção contínua, acompanhando a experiência do passageiro em vez de se limitar ao acidente eventual.
Sustentabilidade urbana como ativo segurado
A transição para frotas elétricas e a conversão de estacionamentos em áreas verdes vão mudar o mapa da cidade e abrir novas frentes de risco. Infraestruturas de recarga, hubs de energia e sistemas de armazenamento vão se tornar ativos críticos. O setor de seguros precisa desenhar apólices específicas para esses pontos de vulnerabilidade, garantindo desde danos físicos até interrupções operacionais.
Tokio Marine antecipa riscos e inclui carregadores em seu portfólio
É importante destacar que esse movimento não está no campo das projeções, já que há seguradoras ajustando seus portfólios para responder à nova lógica urbana. A Tokio Marine é uma das que está na vanguarda das tendências do mercado e incluiu o carregador para carro elétrico em seu produto RD Equipamentos, reconhecendo que esses dispositivos, com valor médio em torno de R$ 7 mil, já se tornaram peças centrais da nova mobilidade. A seguradora oferece coberturas para roubo e furto, falhas elétricas e até indisponibilidade temporária do equipamento, demonstrando que a proteção não se limita mais ao veículo em si, mas alcança também a infraestrutura que o sustenta.
Logística autônoma e novos riscos
Da mesma forma que a rede de recarga passou a integrar o núcleo da mobilidade elétrica, o transporte de cargas também precisaria se reorganizar com a entrada dos veículos autônomos, trazendo consigo um conjunto inédito de riscos. Veículos autônomos de carga circulando de madrugada podem aliviar congestionamentos, mas também abrem frentes inéditas de risco: ataques cibernéticos ao roteamento, interrupções em cadeias sensíveis, atrasos em entregas hospitalares. Para as seguradoras, isso exige produtos que combinem responsabilidade civil, integridade digital e indenizações automáticas diante de indicadores objetivos, como atraso em determinada rota ou falha de temperatura em cargas refrigeradas. O seguro passa a ser também garantia de continuidade de serviço, com soluções paramétricas que acompanham em tempo real a operação logística.
Seguro em novo arranjo
Ao se expandir para proteger equipamentos, cadeias logísticas e operações digitais, o seguro vai começar a operar em territórios antes inexistentes. Isso vai preparar o terreno para uma mudança maior que é a revisão do próprio modelo contratual que sustenta o setor. A Tesla anunciou o Cybercab, um táxi autônomo sem volante nem pedais. A ausência de qualquer possibilidade de intervenção humana leva a uma questão inevitável: quem responde em caso de acidente? Em circunstâncias assim, o seguro deixa de precificar o comportamento individual e passa a cobrir falhas de sistemas, indisponibilidade de serviço e responsabilidade solidária entre fabricantes, operadores e plataformas. As seguradoras, nesse ambiente, devem se tornar parceiras estratégicas na gestão de continuidade, auditando a confiabilidade dos algoritmos e acompanhando a evolução das versões de software.
O mapa do seguro em revisão permanente
O novo mapa do seguro precisa ser assimilado como um traçado em constante revisão. Cada avanço tecnológico retira riscos de um ponto e os projeta em outro, exigindo que a proteção acompanhe esse trajeto com atenção e rigor. A questão mais importante é compreender que os riscos estarão em territórios ( por vezes) inéditos para os seguros, ele vai das linhas de código às redes elétricas, das plataformas digitais às ruas que já não dependem de motoristas. E tudo isso já é concreto: robotáxis já circulam em cidades americanas, seguradoras brasileiras já protegem carregadores elétricos e fabricantes anunciam veículos sem volante. Portanto, a cada nova evolução tecnológica, o risco muda de lugar; O seguro, nesse ambiente, não deve mais se debruçar somente na discussão das hipóteses, ele deve cobrir realidades que já se manifestam fora do campo teórico.