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s seguros de nicho vêm ganhando terreno enquanto o consumo, a mobilidade e as estruturas familiares se tornam mais diversas e descentralizadas. O avanço da informalidade, a multiplicação de vínculos afetivos fora do modelo tradicional, o uso cotidiano de veículos alternativos e a digitalização de rotinas criaram situações que escapam do padrão adotado pelos seguros convencionais. Produtos com cobrança fixa, vigência longa e coberturas engessadas têm dificuldade de dialogar com públicos que vivem de forma intermitente, usam bens compartilhados ou lidam com novas formas de exposição social e financeira.

Segundo matéria publicada no portal CSG sobre tendências do setor, os consumidores de hoje esperam experiências mais simples, transparentes e convenientes ao contratar um seguro — o que exige do setor um ajuste não só de linguagem, mas de estrutura. É nesse intervalo entre o que é oferecido e o que é necessário que os seguros de nicho crescem, porque respondem com funcionalidade a situações muito específicas, mesmo quando não atingem grandes volumes.

Micromobilidade elétrica e a criação de coberturas mais específicas

Na mobilidade urbana, por exemplo, os deslocamentos sobre duas rodas ganharam novas formas. A popularização das bicicletas e patinetes elétricos tem mudado a paisagem de grandes cidades, como São Paulo e Florianópolis. A regulamentação desses modais — exigindo capacete, emplacamento e habilitação, no caso das e-bikes com maior velocidade — cria um ambiente mais propício à formalização de serviços, incluindo os seguros. A startup Whoosh, ao retomar as operações em São Paulo com patinetes equipados com balança de uso individual, GPS e pontos fixos para estacionamento, atua dentro desse novo padrão. Esse tipo de operação, com maior previsibilidade, favorece o desenvolvimento de produtos de seguro que cobrem acidentes, danos a terceiros e roubos.

Motos como ferramenta de rotina e os ajustes no seguro

O mesmo vale para as motos elétricas, cujo interesse cresceu 238% em um ano, segundo levantamento da Webmotors. O número chama atenção porque envolve um bem com tecnologia própria, componentes caros e, muitas vezes, uso profissional. A Abraciclo, por meio do programa “Sim à Motocicleta”, estima que o uso da moto em São Paulo pode gerar uma economia de tempo de até 15 dias por ano. A presença das motos no deslocamento diário e em atividades profissionais pressiona o setor de seguros a repensar o escopo das coberturas oferecidas. Já há iniciativas voltadas a esse perfil de uso, com proteções que incluem acessórios, assistência em horários ampliados e indenizações por acidente pessoal. Essas soluções, ainda pouco disseminadas entre os veículos elétricos, tendem a ganhar espaço à medida que mais motocicletas desse tipo sejam incorporadas à rotina urbana e ao trabalho de entregadores e motoristas autônomos.

Famílias multiespécies e o avanço da proteção pet

No ambiente doméstico, o seguro pet acompanha outra transformação: a formalização das chamadas famílias multiespécies. O Projeto de Lei 179/23 propõe garantir aos animais direitos jurídicos, inclusive o de serem representados em juízo e nomeados como herdeiros. No mercado, o crescimento da oferta de seguros para pets reflete essa mudança. Algumas apólices incluem cobertura para consultas, cirurgias e check-ups, enquanto outras avançam para áreas antes restritas a pessoas, como seguro de imagem. A demanda é puxada, em parte, pelos pets influenciadores, que participam de campanhas publicitárias e eventos. De acordo com a plataforma Airfluencers, esses perfis podem alcançar taxas de engajamento superiores a 8%. A proteção, nesse caso, considera não apenas a saúde do animal, mas o impacto econômico de sua ausência em compromissos comerciais.

Trabalho intermitente e o papel do seguro sob demanda

entre os trabalhadores autônomos, a principal demanda é por flexibilidade. Entregadores e motoristas de aplicativo compõem uma parcela importante da força de trabalho no Brasil. O Cebrap, em parceria com a Amobitec, aponta que mais de 1,6 milhão de pessoas atuam nessa função. Em jornadas extensas e com renda instável, esse grupo precisa de coberturas ajustáveis, com custo proporcional ao tempo de uso. O modelo sob demanda tem sido testado em outros países, como no Reino Unido, onde a insurtech INSHUR lançou um produto para entregadores do Uber Eats, com ativação durante o período de entrega. No Brasil, o movimento ainda é incipiente, mas já há sinalizações. A Uber introduziu cobertura para itens transportados via Uber Flash, e empresas como a Bradesco vêm ajustando pacotes específicos para motociclistas profissionais.

Necessidades atuais apontam para novas formas de cobertura

Os casos envolvendo bicicletas elétricas, motos, pets e entregadores mostram que o seguro pode se tornar mais útil justamente quando se aproxima de contextos particulares. Esses produtos não são movidos por escala, mas por adequação. Surgem porque há situações mal cobertas, perfis pouco contemplados e demandas que já existem — mesmo que ainda não sejam maioria. Quando o seguro acompanha o uso real e não parte de modelos pré-definidos, ele se torna mais útil. As situações que hoje parecem marginais ou específicas revelam, na prática, padrões de vida diferentes dos já experienciados ou percebidos socialmente. Ao observar essas brechas com atenção — e tratá-las como dados concretos, não como exceções — o setor se aproxima de uma sociedade mais diversa, com rotinas instáveis, formatos híbridos de trabalho e novas formas de vínculo. É nesse acompanhamento contínuo que o seguro pode se aproximar e conseguir criar proteções que abarquem uma sociedade que já não cabe em categorias fechadas.

Postado em
2/5/2025
 na categoria
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