Mais investimento em IA do que em pessoas: um risco para o futuro dos seguros

corrida tecnológica está em ritmo acelerado
O entusiasmo com as possibilidades da inteligência artificial tem provocado um descompasso preocupante: os investimentos em máquinas superam os direcionados às pessoas. Em muitos casos, empresas estão priorizando a automação de processos sem considerar o desenvolvimento das habilidades humanas necessárias para interpretar, adaptar e supervisionar essas tecnologias. No setor de seguros, isso se traduz em sistemas cada vez mais eficientes, mas, por vezes, desconectados da experiência do cliente — um fator essencial em um mercado que lida com proteção, confiança e momentos de vulnerabilidade. A ausência de profissionais capacitados para atuar junto à IA pode não só comprometer a qualidade do serviço, como também acentuar desigualdades e gerar decisões enviesadas.
Descompasso entre tecnologia e pessoas
De acordo com o presidente da Accenture no Brasil e na América Latina, Rodolfo Eschenbach, há um "descompasso entre o investimento em pessoas e em IA". Segundo ele, a pressa das empresas em se tornarem tecnológicas está ofuscando a necessidade de formar profissionais capazes de operar, supervisionar e complementar as soluções baseadas em inteligência artificial. Embora 90% dos executivos prevejam maior investimento em IA neste ano, 54% reconhecem que suas organizações estão menos preparadas do que no ano anterior. A pesquisa Pulse of Change, realizada com mais de 6 mil líderes empresariais e funcionários revelou que as companhias gastam três vezes mais com IA do que com formação humana. Isso tem dificultado a implementação eficaz da tecnologia e comprometido o aproveitamento de seu potencial.
Lideranças são treinadas, mas funcionários carecem de capacitação para IA
Ainda conforme a pesquisa, a maioria das lideranças acredita que os funcionários estão sendo treinados adequadamente, mas essa percepção não é compartilhada pela equipe. No Brasil, enquanto 82% dos líderes afirmam ter recebido treinamento, apenas 42% dos colaboradores confirmam isso. As principais barreiras identificadas pelos trabalhadores são levantadas pela falta de recursos para treinamento e a dificuldade de integrar a IA ao trabalho diário. Além disso, cresce a percepção de que a tecnologia impactará diretamente o futuro do trabalho, com líderes e funcionários prevendo a substituição de funções básicas nos próximos anos.
Efeitos nas carreiras dos profissionais de seguros e resposta do setor
Todo esse panorama tem levantado preocupações sobre o futuro dos corretores e profissionais de atendimento, cuja atuação vem sendo impactada pela automação. Ferramentas de inteligência artificial já assumem funções como cotações, subscrição e suporte, reduzindo a necessidade de interação humana em diversos processos. A seguradora holandesa NN Group NV mostra um caminho alternativo. A empresa decidiu abandonar os chatbots pré-programados e investir em soluções de IA mais sofisticadas, mas com supervisão humana. Além disso, adotou ferramentas de assistência por IA para apoiar operadores de call center, melhorando a qualidade do atendimento. Segundo o CEO David Knibbe, os clientes ainda preferem interações humanas, e a pergunta mais frequente continua sendo: "Posso falar com uma pessoa?". Isso demonstra que, apesar dos avanços tecnológicos, o fator humano ainda é essencial no relacionamento com o cliente.
Riscos de uma IA “autônoma” demais
Um executivo de um dos laboratórios de IA mais relevantes do mundo destacou que a tecnologia está caminhando para superar a capacidade do cérebro humano em determinadas tarefas — o que exige regulamentação, ética e vigilância contínua. A falta de supervisão adequada pode gerar decisões enviesadas, negativas injustificadas e experiências desumanizadas. Embora a IA represente seja uma facilitadora para os processos internos de diversos setores, trazendo agilidade, eficiência e precisão, especialistas da tecnologia alegam que seu uso sem critérios pode trazer riscos à operação e à reputação das seguradoras.
A colaboração entre humanos e IA como o melhor caminho
A inteligência artificial, quando usada de forma estratégica, é uma aliada dos profissionais do setor de seguros porque amplia a produtividade e permite que os profissionais humanos fiquem livres de tarefas repetitivas para se concentrarem em funções mais analíticas. No entanto, não é coerente negar suas limitações: a IA não compreende nuances culturais, ambiguidade ou aspectos éticos com a mesma precisão que um ser humano. Por isso, é necessário levantar ponderações sobre o lugar que a IA está ocupando nas empresas e no próprio mercado de trabalho. Só assim, é possível compreender que a IA pode contribuir auxiliando na interpretação de dados, adaptando informações ao contexto e oferecendo orientação personalizada, contudo, o julgamento humano permanece indispensável para validar decisões baseadas em dados. Ainda que o avanço da IA seja inevitável — e, em muitos casos, benéfico, as seguradoras precisam repensar a forma como essa tecnologia é aplicada aos seus modelos de negócios para não cair na armadilha de trocar o que há de mais essencial nos seguros: proteger pessoas.