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uando se fala sobre a morte, todos os indivíduos têm que lidar com aquilo que talvez seja o maior eixo estruturante da consciência humana. A consciência da finitude é, em muitos aspectos, o que diferencia o ser humano dos outros animais: sabe-se que a morte é certa. Esse saber interfere nas escolhas, nos valores e até nas formas de evasão. Trata-se de uma questão que coloca em tensão permanente dois polos: o desejo de viver plenamente e o reconhecimento da impermanência. A pergunta sobre “por que se preparar para a morte” parte de uma verdade objetiva — a morte é inevitável — mas esbarra num paradoxo existencial: se é certeza que ela virá, por que não simplesmente ignorá-la para aproveitar melhor o tempo disponível? Muitos fazem isso, mas essa estratégia de evasão tende a reforçar bloqueios emocionais e a dificultar reflexões essenciais sobre a própria existência.

“Naturalizar a ideia de se preparar para a morte faz com que as pessoas procurem viver da melhor forma possível”

Um estudo conduzido pela pesquisadora Gabriela Machado Giberti reforça essa questão ao investigar as experiências de idosos que se consideravam preparados para a morte. A pesquisa, desenvolvida com três participantes com mais de 80 anos, residentes no estado de São Paulo, teve como foco compreender o que constitui, de fato, essa preparação. Com base em uma análise fenomenológica, a autora observou que a lógica de repúdio à morte e o tratamento do tema como tabu geram sofrimento ao envelhecimento e bloqueiam reflexões profundas sobre a própria vida. De acordo com o estudo, naturalizar a ideia de se preparar para a morte faz com que as pessoas procurem viver da melhor forma possível a sua existência restante. E esse é o intuito de Gabriela com a pesquisa, pois “a morte convoca para o tempo do viver”.

A narrativa convencional do seguro de vida reforça aquilo que mais afasta o público

Assim, ignorar a realidade costuma transferir o problema adiante: ao não planejar, podem ser deixadas vulnerabilidades que recaem sobre os familiares — dívidas, burocracias complexas, ausência de amparo financeiro. Por conta dessas consequências, o planejamento não é um gesto de submissão ao medo da morte, é uma tentativa de limitar seus impactos colaterais, tornando o processo menos caótico para aqueles que continuam.

Ainda que o preparo seja fundamental, o seguro de vida — principal instrumento desse planejamento — enfrenta barreiras de aceitação. A forma de apresentar o produto é um aspecto essencial, porque a narrativa convencional reforça justamente aquilo que mais afasta o público. Expressões como “garantia em caso de morte” ou “proteção financeira para quando você não estiver mais aqui” cristalizam a associação negativa e acabam desumanizando o seguro — que passa a ser visto como algo frio, transacional, atrelado ao pior cenário possível.

Seguro de vida para ser aproveitado em vida

No mercado brasileiro, há iniciativas que já caminham nessa direção, oferecendo seguros de vida com coberturas ampliadas que contemplam benefícios durante a vigência da apólice, e não apenas após o falecimento do titular. O Seguro Vida Individual da Tokio Marine, por exemplo, tem um slogan no site deles que é: “Para que você possa aproveitar em vida todos os seus benefícios”. O seguro é abrangente e inclui indenizações para até 30 doenças graves, diárias por internação hospitalar e um serviço de orientação médica on-line 24 horas, disponível para o segurado e mais duas pessoas indicadas. O produto também oferece o Programa Vida Saudável, voltado ao suporte para saúde física e mental, com atendimento digital especializado em áreas como nutrição, psicologia, atividade física e sono. Além disso, a contratação dá acesso a uma rede de descontos e outros serviços complementares, ampliando o caráter de cuidado contínuo.

A presença desses recursos demonstra que é possível estruturar produtos de seguro de vida que atuem tanto como proteção para eventos futuros,  como ferramentas de amparo em momentos de vulnerabilidade durante a própria vida do segurado. Esse modelo amplia o significado do seguro de vida, tornando-o como parte ativa de uma estratégia de bem-estar e qualidade de vida.

Quando o seguro é apresentado como um gesto ativo de proteção, ele se integra mais facilmente à lógica da responsabilidade financeira

O movimento que precisa ganhar mais força é o de sair da percepção da perda e aproximar a conversa de temas mais palatáveis e, inclusive, empáticos, como o cuidado intergeracional, a continuidade do suporte familiar e o planejamento responsável. Não se trata de negar que a morte é o gatilho contratual, mas sim de reformular o entendimento do produto para que ele apareça como um recurso de amparo — quase como uma extensão do cuidado já exercido em vida.

O ponto é esse: quando o seguro é apresentado como um gesto ativo de proteção, que permite manter um padrão de estabilidade para os entes queridos diante de qualquer adversidade, ele se integra mais facilmente à lógica da responsabilidade financeira, já amplamente aceita em outros contextos (como previdência ou poupança). Esse enquadramento ajuda a quebrar o distanciamento. O seguro deixa de parecer algo mórbido para se alinhar à ideia de legado e zelo.

É preciso aproximar o seguro das decisões cotidianas de proteção e zelo

Em uma sociedade cada vez mais individualizada, pensar no que acontece depois da própria ausência figura como uma das últimas expressões concretas de cuidado. Não se trata de viver condicionado pela ideia da morte, mas de reconhecer que a vida se entrelaça em relações de dependência e afeto que perduram mesmo após a partida. No fim, o que mais interfere na aceitação do seguro de vida não é o produto em si, mas a moldura narrativa que o cerca. Enquanto o discurso permanecer atrelado ao desfecho trágico, a barreira emocional seguirá presente. O desafio — e também a possibilidade de avanço — reside justamente em reorganizar essa abordagem, aproximando o seguro das decisões cotidianas de proteção e zelo, sem que o tema da morte precise ocupar o centro da conversa.

Postado em
5/5/2025
 na categoria
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