Acidente com robotáxi na China levanta questões sobre responsabilidade e o futuro do seguro auto

Um robotáxi do serviço Apollo Go, operado pela Baidu, caiu em uma vala profunda durante uma corrida em Chongqing, no sudoeste da China. O veículo autônomo transportava uma passageira, que saiu ilesa. Segundo relatos, a área estava cercada por barreiras e sinalização de advertência, mas não está claro como o sistema ultrapassou as proteções. O fato de o serviço estar em operação comercial amplia o impacto do ocorrido. Não se trata de um teste isolado, é um produto inserido no trânsito real, interagindo com pessoas e infraestrutura urbana. Quando um sistema projetado para reconhecer e reagir a obstáculos ignora uma barreira física, a discussão envolve a confiabilidade dos sensores, a integração de dados e a capacidade de interpretar contextos fora do padrão.
Debate sobre restrição da condução humana
A confiança em uma tecnologia capaz de eliminar o erro humano é imprescindível para quem defende que a condução manual possa, no futuro, ser restrita ou até proibida. Essa é a visão de pesquisadores como Vikram Bhargava e Brian Berkey, que consideram essa transição um caminho para reduzir as mortes no trânsito. No entanto, o episódio na China lembra que a equação ainda tem variáveis abertas. Quando o erro deixa de ser fruto direto da ação humana e passa a ocorrer em um sistema automatizado, ele deixa de estar ligado a decisões individuais ou lapsos momentâneos e passa a refletir limitações do modelo, falhas de programação ou vieses embutidos nos dados. A natureza muda, mas a possibilidade de falhar continua presente.
Limites técnicos já identificados em estudos
Um outro olhar pertinente sobre o tema partiu de estudos da University of Central Florida que mostram pontos em que a condução autônoma apresenta desempenho inferior à humana (como nas transições de luz entre dia e noite e na execução de curvas). Embora o acidente em Chongqing não tenha ocorrido nessas condições específicas, o desafio se mantém, pois envolve lidar com mudanças repentinas que fogem ao padrão previsto pelo sistema. Nesse intervalo entre o que foi programado e o que acontece de fato, a cidade real funciona como um teste permanente para qualquer veículo autônomo.
Previsão da Uber sobre o fim dos motoristas e os desafios para cumpri-la
A estimativa do CEO da Uber, Dara Khosrowshahi, de que a profissão de motorista possa desaparecer em até dez anos está condicionada à capacidade da tecnologia de superar desafios como esses. A ideia de que uma máquina, treinada com o equivalente à experiência acumulada por milhões de motoristas, conduza melhor que qualquer humano é atraente no discurso, mas acidentes como esse mostram que há distância entre projeção e prática. É preciso considerar se a evolução dependerá apenas de avanços técnicos ou também de adaptações na própria infraestrutura para que ela seja interpretada sem falhas por sistemas autônomos.
Realidade urbana impõe barreiras adicionais
Para a mobilidade urbana, a questão envolve a estrutura das cidades que, em boa parte, contam com ruas estreitas, sinalizações irregulares, obras improvisadas e trânsito compartilhado entre veículos com e sem motorista. Essas são realidades que não podem ser ignoradas. A convivência entre modos de condução diferentes pode gerar riscos adicionais antes de trazer benefícios consistentes, o que exige, além de planejamento tecnológico, gestão urbana.
Quem responde por falhas e como isso afeta as apólices
Para os seguros, essa complexidade acaba se refletindo em obstáculos tanto contratuais quanto operacionais. Um sinistro como o de Chongqing levanta dúvidas como: a responsabilidade é do fabricante, do operador do serviço ou de quem executou e sinalizou a obra? A resposta a essa pergunta define quem paga a conta e como as apólices são estruturadas. É provável que, em um contexto como o brasileiro, a fase inicial de adoção de veículos autônomos seja acompanhada de produtos específicos, com cláusulas que cubram tanto falhas técnicas quanto fatores externos.
Modelos híbridos e integração entre atores da cadeia
A partir daí, surgem desdobramentos que vão além da cobertura direta do sinistro. Questões como o impacto dessa divisão de responsabilidades na precificação, a necessidade de integração de dados entre fabricantes, operadores e seguradoras, e a adaptação dos mecanismos de regulação de sinistros passam a fazer parte da equação. Também se abre espaço para modelos híbridos de seguro, nos quais o risco é compartilhado entre diferentes atores da cadeia, reduzindo a exposição individual e criando incentivos para que cada parte invista na prevenção e melhoria contínua dos sistemas.
Padronização de protocolos e evolução da lógica de cobertura
No horizonte mais distante, esse mercado mais amadurecido pode levar à criação de protocolos padronizados para a investigação de incidentes envolvendo veículos autônomos, com métricas unificadas e bancos de dados compartilhados entre empresas e órgãos reguladores. Esse alinhamento permitiria reduzir disputas jurídicas, agilizar indenizações e ampliar a previsibilidade para seguradoras e consumidores. Ao mesmo tempo, a evolução da tecnologia tende a deslocar o foco das coberturas de danos materiais para responsabilidades ligadas à integridade dos sistemas, à proteção de dados e à interoperabilidade entre diferentes plataformas, transformando a lógica atual do seguro automotivo.
Tecnologia, cidade e regulação no mesmo compasso
O que aconteceu na China aponta que o avanço dos veículos autônomos não é uma corrida contra o tempo, é, sim, um processo que depende de consistência técnica, adaptação urbana e clareza regulatória. Enquanto estudos apontam para um futuro em que a condução humana poderá ser restringida e empresas projetam a extinção de profissões inteiras, episódios como esse lembram que tudo isso envolve mais do que substituir motoristas por máquinas. É preciso considerar como a cidade é lida por sensores, como o improviso urbano interfere nessa leitura e como a responsabilidade por falhas será distribuída. No Brasil, onde essas variáveis se apresentam com intensidade e frequência maiores, a transição exigirá que seguradoras, fabricantes e gestores públicos trabalhem com modelos flexíveis, capazes de acomodar riscos que ainda não são conhecidos por completo.