Proteção veicular sob novas regras: o que muda para APVs, seguradoras e motoristas

A regularização das associações de proteção veicular (APVs), proporcionada por meio da Lei Complementar 213/2025 e a criação da figura das administradoras de operações de proteção patrimonial mutualistas (PPM), marcou um divisor de águas no mercado de seguros e proteção no Brasil.
O caminho para a regularização completa do setor ainda tem algumas etapas para avançar, mas uma delas acaba de ser concluída: foi encerrado na quarta-feira (1º) o prazo para a sociedade enviar contribuições para uma consulta pública sobre as normas gerais aplicáveis às operações de proteção patrimonial mutualista.
A consulta pública foi feita pela Susep (Superintendência de Seguros Privados), autarquia federal que regula e fiscaliza o mercado de seguros e, agora, com a nova legislação, passa também a supervisionar as PPMs.
Em resposta ao InfoMoney, a Susep informou que recebeu quase 2 mil sugestões na consulta pública, encaminhadas por diversos participantes da sociedade civil.
O próximo passo será a análise individual de cada contribuição, com a elaboração dos respectivos comentários pelas Coordenações-Gerais de Regulação competentes, de acordo com suas áreas temáticas, para avaliação preliminar.
Na sequência, o Grupo de Trabalho instituído na Susep para regulamentação da proteção patrimonial mutualista consolidará os principais pontos levantados, a fim de subsidiar a elaboração da minuta normativa. Essa minuta passará, então, por instâncias internas da autarquia e, após aprovação, será submetida ao Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP).
A Susep informa ainda que todas as sugestões recebidas serão respondidas de forma pública, em tabela única a ser disponibilizada no site da autarquia. Não há prazo para a conclusão dessa etapa.
Impactos esperados para o consumidor
Para o motorista pessoa física que busca proteção para o carro, especialmente o de menor poder aquisitivo, o impacto é a segurança jurídica e regulatória, indicam especialistas. Isso porque haverá regras claras, fiscalização e transparência na gestão dos recursos de quem optar por contratar uma proteção veicular em vez do seguro automóvel.
Os preços podem subir em alguns casos, devido aos novos custos regulatórios, mas a expectativa é de que a concorrência entre seguradoras e PPMs crie um mercado mais saudável, ampliando as opções de proteção para milhões de veículos hoje descobertos.
“Dos cerca de 100 milhões de veículos no país, as seguradoras protegem 30 milhões, portanto sobram cerca de 70 milhões sem proteção nenhuma”, apontou Dyogo Oliveira, presidente da CNseg (Confederação Nacional das Seguradoras) em evento para corretores realizado no fim de setembro em São Paulo.
Para Oliveira, a lei trouxe um marco regulatório essencial ao definir um órgão fiscalizador para o mercado, o que antes não existia.
“Antes dessa lei, a Susep não tinha instrumentos legais para fechar uma APV. Agora começa uma história diferente: tem regras, e quem não se enquadrar será fechado.” — disse Dyogo Oliveira, presidente da CNseg
Ele também avalia que a nova realidade vai estimular movimentos no setor. “Não acredito que quem faz seguro hoje vá passar a fazer PPM, mas acredito que quem está em PPM vai migrar para seguro”, acrescentou Oliveira, ressaltando a possibilidade de associações se constituíram como seguradoras do segmento regulatório S4, que engloba seguradoras de menor porte e risco simplificado.
A visão das associações
Para Kleber Vitor, superintendente da APVS Brasil e presidente da Confederação Nacional das Entidades de Proteção Patrimonial Mútua (CN Mútuas), a regulamentação representa uma vitória construída em conjunto com entidades, governo e Susep, ao formalizar um modelo que já atendia milhões de motoristas. Estima-se que as APVs atendam de 5 milhões a 9 milhões de veículos no país.
“Se criamos em conjunto um produto que é a PPM, ele é um produto legal e com expectativa de crescimento enorme, porque já atende um público diferenciado”, afirma. Segundo ele, muitos que recorrem à proteção veicular são consumidores que não conseguiram contratar um seguro tradicional – seja pelo preço, pelo perfil de risco elevado ou outros fatores.
Ele lembra que a lógica da proteção veicular é distinta da do seguro tradicional, por isso, não faz sentido exigir as mesmas regras que são demandadas das seguradoras.
“No nosso modelo, não fazemos perfil de risco, fazemos rateio da despesa. Tanto faz se o associado tem mais ou menos agravantes, todos contribuem igualmente.” — diz Kleber Vitor, da CN Mútuas
Vitor ainda comemorou a participação das associações com estandes em um evento dedicado aos corretores de seguros, como o Conec, que reuniu cerca de 10 mil participantes no final de setembro em São Paulo.
O olhar dos corretores
Armando Vergílio, presidente da Fenacor (Federação Nacional dos Corretores de Seguros), defende que a regulamentação era inevitável.
“Como não fazer isso? A opção que se tinha era a regulamentação. Foi nesse sentido que o então deputado Lucas Vergílio apresentou o projeto, que virou lei complementar aprovada quase por unanimidade no Congresso”, destacou em painel do Conec que abordou o tema. Ele reforça que o novo modelo tem limites bem definidos.
“As PPMs são monoproduto: só podem casco de automóvel e terceiros em acidente. Não podem atuar em residencial, celular, vida ou acidentes pessoais.” — comentou Armando Vergílio, da Fenacor
Na prática, o que está valendo?
Vale dizer que, segundo a Susep, neste momento, ainda não há empresas autorizadas a atuar como administradoras de operações de proteção patrimonial mutualista, já que o processo de regularização ainda está em andamento.
A autarquia esclarece que a contratação de administradoras pelas associações só será possível após a aprovação da norma pelo Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) e a autorização das empresas pela Susep.
Portanto, nenhum contrato apresentado antes da conclusão dessas etapas será considerado válido para fins de regularização. A administração das operações de proteção patrimonial mutualista será privativa de administradoras que sejam previamente autorizadas a funcionar pela Susep e a atuação sem autorização da autarquia constitui infração passível de sancionamento.