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Como o paradoxo digital afeta a saúde mental e desafia o setor de seguros

Como o paradoxo digital afeta a saúde mental e desafia o setor de seguros

O dilema digital 

É inegável que o universo digital mudou radicalmente a forma de viver e trouxe inúmeras oportunidades para empresas e pessoas, abrindo novos mercados, modelos de negócios e promovendo acesso imediato a informações e serviços online. No entanto, esse mesmo progresso pode gerar um efeito colateral nocivo, fomentando a deterioração da saúde mental. O documentário “O Dilema das Redes” (2020), disponível na Netflix, expôs como algoritmos acabaram se transformando em armadilhas emocionais que estimulam a dependência, a comparação social e o isolamento. No documentário, ex-executivos dessas grandes redes sociais relataram como os algoritmos foram projetados para reter a atenção do usuário ao máximo, explorando gatilhos psicológicos que podem gerar vício e ansiedade. Esse fenômeno reflete o paradoxo do digital. De um lado, promove interações e conexão entre os usuários, maior alcance de marcas, fortalecimento de negócios digitais e ampliação de serviços. De outro, alimenta a pressão social e a dependência tecnológica, impactando negativamente a saúde mental.

Brasileiros possuem mais tempo do tela do que de sono

Com base numa pesquisa do DataReportal, os brasileiros passam, em média, mais de 9 horas por dia diante das telas – mais tempo do que dedicam ao sono. Diante desse cenário e das preocupações com os impactos na saúde mental e no desempenho escolar de crianças e adolescentes, o governo sancionou no início de 2025 a Lei nº 15.100, que restringe o uso de celulares em escolas públicas e privadas. A norma, que já está em vigor, atribuiu às próprias instituições de ensino a responsabilidade de estabelecer estratégias de adaptação e fiscalização a partir do novo ano letivo. A medida reflete a crescente inquietação de especialistas e da sociedade em relação ao excesso de exposição digital, associado a prejuízos na concentração, no aprendizado e no bem-estar dos jovens.

Setembro Amarelo e o alerta sobre redes sociais e saúde mental

O impacto vai além do cansaço visual ou da falta de descanso. Estudos apontam que a hiperconexão está diretamente ligada ao aumento de ansiedade, depressão e isolamento social. Um estudo do Panorama da Saúde Mental 2024, conduzido pelo Instituto Cactus em parceria com a AtlasIntel, mostrou a ligação entre uso excessivo das redes sociais e transtornos emocionais. Entre jovens de 15 a 29 anos, 45% dos casos de ansiedade estão relacionados ao consumo intensivo dessas plataformas. O levantamento ainda revelou que 65% da população brasileira apresenta algum nível de dificuldade emocional, evidenciando o tamanho do desafio para a sociedade e para o mercado segurador. 

Essa discussão ganha ainda mais relevância no Setembro Amarelo, mês de prevenção ao suicídio. A campanha lembra que falar sobre saúde mental pode salvar vidas e que a conscientização precisa ser coletiva. Os números são preocupantes: o Brasil registrou 15 mil mortes por suicídio em 2021 (uma a cada 34 minutos). Entre jovens de 15 a 29 anos, já é a terceira principal causa de morte. A taxa de suicídio nessa faixa etária cresceu 6% ao ano entre 2011 e 2022, enquanto os casos de autolesão subiram, em média, 29% ao ano.

Hiperconexão e como isso afeta os seguros

A saúde emocional, apesar de cada vez mais reconhecida, ainda enfrenta barreiras como estigma social, subnotificação e diferentes graus de gravidade, o que dificulta avaliação de risco e precificação adequada. Prejuízos psicológicos ligados ao excesso de telas podem também afetar a produtividade e gerar afastamentos no trabalho, aumentando custos para empresas e seguradoras. Nesse cenário, o mercado precisa repensar produtos e modelos de cobertura, equilibrando sustentabilidade financeira com proteção efetiva, a fim de acolher esse público vulnerável. 

Excesso de dopamina provocado por uso de redes afeta o cérebro e desintoxicação digital como solução

Conforme divulgado numa matéria do National Geographic Brasil, o excesso de tempo nas redes sociais também pode afetar diretamente o cérebro. O termo “brain rot” (“apodrecimento do cérebro”), escolhido pela Oxford University Press como palavra do ano em 2024, reflete essa preocupação. De acordo com a divulgação, segundo a especialista em medicina do vício, Anna Lembke, cada curtida ou notificação ativa a liberação de dopamina, neurotransmissor ligado à sensação de prazer, de forma semelhante ao que ocorre com drogas e álcool. O problema é que o cérebro busca equilíbrio e, diante da exposição constante, reduz a produção ou a transmissão dessa substância, levando a um “déficit de dopamina”. O resultado é a necessidade de passar ainda mais tempo online para se sentir bem, criando um ciclo vicioso. Por outro lado, uma pausa no uso das redes pode ajudar a restabelecer esse equilíbrio. Pesquisas apontam que períodos curtos de “desintoxicação digital” trazem benefícios. Um estudo canadense com mais de 400 adultos mostrou que ficar duas semanas sem acesso à internet pelo celular melhorou a atenção sustentada a níveis equivalentes aos de pessoas dez anos mais jovens, além de reduzir sintomas de ansiedade e depressão. Essas descobertas reforçam que desconectar-se, mesmo que temporariamente, pode ser uma maneira eficaz de cuidado com a saúde mental na era da hiperconexão.

O papel do setor de seguros na saúde emocional

Na tentativa de intervir nesta realidade, seguradoras e insurtechs estão ampliando seu escopo para incluir o bem-estar emocional como parte central de seus produtos. De forma geral, as seguradoras podem investir em:

  • Programas de assistência psicológica online: acesso a consultas virtuais com psicólogos e psiquiatras.
  • Plataformas digitais de bem-estar: que monitoram níveis de estresse, incentivam pausas e promovem práticas saudáveis.
  • Cobertura ampliada em saúde mental: incluindo terapias, tratamento de transtornos relacionados ao estresse e prevenção de burnout.
  • Educação digital preventiva: campanhas que estimulam o uso consciente da tecnologia.

Como a tecnologia também pode ajudar no cuidado

A Spectrum.Life, referência em soluções digitais de saúde e bem-estar, apostou na integração entre tecnologia e cuidado humano para apoiar seguradoras e empregadores na oferta de serviços de saúde mental em larga escala. Para Johnny O’Connell, diretor comercial da empresa, a saúde emocional se tornou a nova fronteira estratégica para o setor, unindo impacto social e vantagem competitiva. Segundo ele, inovação real não significa apenas lançar aplicativos, mas construir ecossistemas digitais que substituam modelos fragmentados por plataformas integradas e inteligentes. A ferramenta MatchTech, baseada em IA, exemplifica essa visão ao conectar segurados ao profissional adequado em poucas horas, permitindo intervenções precoces e evitando custos elevados com internações ou invalidez. A proposta da empresa é oferecer atendimento personalizado e baseado em evidências, com visibilidade em tempo real sobre a eficácia dos tratamentos e os custos envolvidos. 

O caminho entre a conexão e a proteção

O paradoxo digital mostra que a mesma tecnologia capaz de aproximar pessoas, gerar negócios e criar soluções inovadoras também é responsável por trazer consequências negativas à saúde emocional. A hiperconexão transformou o cotidiano em um ambiente de estímulos constantes, que, se não for equilibrado, pode levar a esgotamento, ansiedade e até ao aumento de índices de suicídio. O documentário O Dilema das Redes mostra como a tecnologia pode aprisionar usuários em ciclos viciosos, e dados nacionais confirmam que esse fato afeta o bem-estar de milhões de brasileiros. No Setembro Amarelo, o cuidado com a saúde mental toma força, mas é necessário que a prevenção seja feita durante o ano todo por parte das empresas e do governo. As seguradoras, em particular, podem assumir uma postura empática, oferecendo suporte emocional e ferramentas de prevenção, utilizando a tecnologia também como forma de melhorar a assistência Por isso, é válido oferecer mais que cobertura e considerar o papel do seguro como parceiro no cuidado diário, capaz de promover prevenção, acolhimento e orientação.

Postado em
26/8/2025
 na categoria
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