C

omo parte do Open Finance, que envolve mercado financeiro e seguros, o seguro aberto é uma realidade que fascina e amedronta os entes do mercado. Como veremos em outras matérias deste especial, o setor se prepara para atuar com um nível de customização de produtos mais acurado, ao mesmo tempo em que terá que compartilhar as informações de seus clientes e aumentar a segurança da guarda dos dados dos clientes. A partir de dezembro deste ano, quando entra em vigor a primeira fase, veremos novas aplicações e a digitalização dos processos das seguradoras de ponta a ponta.

A legislação brasileira é a primeira do mundo, portanto, não há como aproveitar experiências internacionais. A Superintendência de Seguros Privados prepara as bases para as novas regras. A referência para nosso mercado é o Open Banking, cujo Conselho Deliberativo, formado por bancos e fintechs, pediu o adiamento da fase 3, que passou de 30 de agosto para 29 de outubro, por conta da dificuldade de integração dos serviços de iniciação de pagamento. “Destaco que somos críticos ao caminho escolhido pela Susep.  Entendemos que a implantação do Open Insurance deveria seguir um cronograma que considerasse as particularidades do setor de seguros, o momento econômico e as consequências da pandemia e as demais demandas regulatórias em curso e negociar com o Banco Central do Brasil o adiamento da disponibilização de informações sobre seguros e previdência complementar aberta no âmbito do open banking”, pontua Marcio Coriolano, presidente da Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg).

Marcio Coriolano

Coriolano afirma ser um crítico do caminho escolhido pela Susep que, ao invés de criar um diálogo, “propôs um cronograma de implementação, sem nenhum debate com o setor de seguros, que atenda à data estabelecida em regulação do Banco Central do Brasil, 15 de dezembro de 2021, para a divulgação dessas informações no ambiente de open banking. Essa data deveria se adequar ao cronograma de implementação do Open Insurance, e não o contrário.

As transformações também têm impacto financeiro, pois as seguradoras que possuem as maiores participações do mercado brasileiro devem estar preparadas para investir aproximadamente R$ 100 milhões em tecnologia para acompanhar essa última etapa.

Já tem muitas empresas atentas ao movimento do Open Insurance, principalmente de olho em um novo mercado que se abre ao lado do Open Banking. Quem já provê serviços de um lado quer abocanhar um novo mercado. “As empresas deverão cuidar da compatibilidade de API’s para a troca de informações, controle de segurança, consentimento do cliente. A seguradora ‘vermelha’ precisará disponibilizar os dados autorizados pelo seu cliente para quando a seguradora ‘azul’ for acessar. Entretanto, estes dados devem estar uniformizados”, explica Rogerio Melfi, consultor de Novas Plataformas da TecBan. Ele acrescenta que os maiores desafios são a padronização, exposição, valores, camada de segurança e serviços compartilhados.  

A verdade é que as seguradoras deverão se preparar para começar este jogo tecnológico. “Assim como o PIX, o OPIN é uma agenda em evolução, cujas regras cabem à Susep, porém com a operacionalização elaborada por grupos de trabalho, fintechs, insurtechs, que irão determinar as melhores práticas e maior integração”, completa Melfi.

Coriolano ressalta que as seguradoras estão atentas a todas essas questões. “Elas seguradoras investiram durante anos no tratamento de dados dos seus segurados, que agora ficarão disponíveis para instituições que talvez não tenham feito o mesmo tipo de investimento. Estamos falando de tecnologia como ferramenta de inteligência de mercado.  Sobre a questão da segurança, há um grupo de trabalho formado por profissionais de tecnologia de players importantes do setor atuando para aprimorar as questões de segurança, levando em consideração a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Tão importante quanto essa ação é o que a Susep ainda precisa se dedicar mais, definindo os requisitos e penalidades sobre as registradoras e “sociedades iniciadoras” em caso de afronta à LGPD”, preocupa-se o presidente da CNseg.

Rachel Ferreira Bonel, Superintendente Executiva de Dados, Privacidade e Planejamento Comercial da Icatu, acredita que o Open Insurance trará mudanças profundas para todo o mercado, inclusive no âmbito do modelo de negócio das seguradoras. “Ele já nasce provocado pelas mudanças pelas quais o mercado passa, trazidas, de um lado, pela disrupção provocada pelas tecnologias digitais emergentes, de outro, pelas premissas da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), a partir do momento em que ela prevê o entendimento de que o consumidor é dono de suas próprias informações civis. Adicionalmente, existe o desafio estratégico e de negócios”. Estratégia e negócios, por enquanto, estão de lado.

Coriolano ressalta, porém, que o Open Insurance só deveria ser implantando após a conclusão do Sistema de Registro de Operações (SRO), que vai permitir que todas as operações de seguros sejam registradas na Susep. “São duas agendas que consomem muitos recursos técnicos, financeiros e de pessoal das seguradoras. Nos estudos que estão sendo conduzidos na Europa, isso também é considerado um fator de risco, tendo em vista que esses recursos alocados para atender a agenda regulatória poderiam ser investidos em inovação e criação de novos produtos para os consumidores”, considera.

Processo inédito no mundo

Segundo o cronograma estabelecido pela Susep, a partir de dezembro as primeiras informações começam a ser disponibilizadas de forma aberta.  Com início praticamente um ano após sua primeira fase, o cronograma anunciado é um reflexo da ambição, não apenas de seus realizadores, mas também das seguradoras. “O cronograma tem favorecido as empresas, uma vez que reunir os dados – visando a quantidade e distinção dos mesmos – a serem compartilhados, não é uma tarefa fácil. São aproximadamente 10 meses para a conclusão de sua primeira fase, que contempla o compartilhamento de dados públicos das empresas referentes a produtos e canais de atendimento, e uma margem de aproximadamente 4 meses para a conclusão de sua segunda fase, que prevê o compartilhamento de dados pessoais por parte dos clientes”, contabiliza Willians Monteiro, superintendente de Tecnologia e Processos da Mapfre.

Para ele, apesar desta ser uma grande mudança para o setor, é essencial o acompanhamento contínuo de todas as etapas previstas para a realização do Open Insurance, uma vez que sua prática será responsável por reformular toda a atuação no segmento.

“Como benefícios, o Open Insurance traz a possibilidade das seguradoras se conectarem a novos ecossistemas, desenharem novos produtos e criarem formas de fazer negócios. Destaco a interoperabilidade, que amplia a capacidade de captura de dados para enriquecer as bases das seguradoras, permitindo novas estratégias de arrecadação e opções e diversificando a forma que os clientes podem efetuar o pagamento dos seus seguros”, adianta Monteiro.

Isso só será possível com um grande uso do sistema pelos consumidores. Monteiro cita pesquisas que apontam que o Brasil é o segundo país com maior crescimento do mercado de aplicativos. “Tais dados evidenciam a relevância econômica das plataformas. A digitalização da economia fez com que surgissem novos modelos de negócio que focam nas plataformas digitais e para as seguradoras é benéfico explorar as capacidades dos businesses de plataformas de forma ainda mais intensa, explorando com mais intensidade os conceitos de economia de escala e escopo”.

Segurado será o maior beneficiado

Esta é a aposta da Susep: aumentar a penetração dos produtos de proteção na sociedade, beneficiando novos consumidores. De acordo com Rachel, da Icatu, o consumidor será o maior beneficiado desta mudança porque o Open Insurance fomentará a maior competitividade, com melhora de produtos e serviços.

“O Open Insurance nasce para ampliar o mercado de seguros por meio de produtos democráticos, personalizados, transparência com o consumidor e serviços eficientes. Trata-se de um momento único, de transformação e inovação do mercado, que está em linha com o nosso propósito de assistir e proteger financeiramente as famílias brasileiras e de ser um agente de estabilização socioeconômica para o país”, define a executiva.

Sob a ótica do consumidor, monteiro destaca o protagonismo no uso dos seus dados, que ocorrerá de forma segura, controlada, ágil e precisa. “Essa, sem dúvida, é uma mudança substancial que o Open Insurance traz para todo mercado”, aponta Monteiro, da Mapfre, acrescentando que “o ato de consumir acessando seus dados e consentindo o compartilhamento dos mesmos com outras seguradoras, ou terceiros, traz muita conveniência, podendo ainda resultar em ganhos de suitability, e reforça a centralidade do cliente”.

Em suma, o Open Insurance possibilitará ao consumidor a visão holística de suas apólices facilitando a comparação entre os produtos e suas características, ampliando assim a capacidade de escolher, de forma mais autônoma e precisa, soluções que melhor se encaixam às suas necessidades, promovendo a inovação no setor, com a criação de produtos mais personalizados.

A expectativa das seguradoras é criar produtos mais conectados às necessidades individuais dos clientes, com grande evolução a partir dessa iniciativa, principalmente em penetração, que hoje é muito pequena no Brasil, em comparação aos outros países.

A concorrência será estimulada porque a competição ficará “sem fronteiras”, “Nem entre as indústrias, pois o mercado está aberto e o business de plataforma se torna o mais novo balcão para comercialização de serviços e soluções de seguros. Cabe às companhias, de pequeno, médio ou grande porte, saberem se adequar a este novo momento, sem comprometer seus clientes, colaboradores e a si mesma”, aponta Monteiro.

A comercialização é um ponto muito sensível de todo este novo modelo. Como já discutido na matéria da página xx, a regulação proposta para o Open Insurance sequer menciona a figura do corretor de seguros.”Chamo a atenção que outros países são cautelosos na ampliação do escopo do Open Banking, justamente em função da complexidade e diversidade dos produtos oferecidos pelo setor de seguros. A contratação desses produtos precisa do auxílio de profissionais especializados: o corretor de seguros e o assessor de investimentos, respectivamente. Engajar esses agentes nesse novo ecossistema é de fundamental importância para que os potenciais e atuais clientes tenham ao seu dispor todo o acervo disponível para tomarem decisões bem embasadas”, salienta Marcio Coriolano, da CNseg.

Ele acrescenta que há a grande preocupação de que se as informações não forem bem entendidas pelos clientes, suas decisões acabem privilegiando um produto de menor preço, sem levar em conta as particularidades de cada oferta e sua adequação às suas necessidades e perfil. “Há ainda um novo “ente” participante, que, como as registradoras, sequer são previstas no marco legal dos seguros, que são as “sociedades iniciadoras de seguros” cuja nebulosa definição parece querer retirar o espaço ativo do corretor de seguros habilitado para tanto”, pontua Coriolano.

*Matéria originalmente publicada na edição na 269 da Revista Apólice

Postado em
5/1/2022
 na categoria
Inovação

Mais sobre a categoria

Inovação

VER TUDO